Abstract:
A Tese busca reconstruir um processo histórico de modo a verificar o grau explicativo da teoria da recentralização nas transformações recentes do federalismo brasileiro. Adotamos como unidade de análise a implementação do Programa Bolsa Família (PBF), iniciativa federal de combate à pobreza que atua transversalmente junto aos sistemas descentralizados das políticas nacionais de saúde, educação e assistência social. A articulação de uma iniciativa de natureza centralizada como a transferência de renda a serviços sociais básicos cuja oferta é organizada pela lógica da descentralização ilustra o dilema de implementação das políticas sociais presente em nosso modelo federativo, o qual revela a tensão entre a homogeneidade das políticas sociais e a heterogeneidade da capacidade institucional dos entes. Essa investigação teve como objetivos analisar a trajetória do PBF e a forma como lidou com o dilema de implementação das políticas sociais no federalismo brasileiro no período 2003-2010, de modo a demonstrar a insuficiência da teoria da recentralização para explicar esse processo. O trabalho se desenvolveu com base na teoria do federalismo como pacto, com foco nas relações de reciprocidade entre o federalismo e políticas sociais. Para o caso nacional, adotamos a perspectiva da coordenação federativa desenvolvida por Abrucio (2005) e Franzese (2010), segundo a qual haveria a necessidade de uma atuação coordenadora do governo federal, centralizando algumas funções e descentralizando outras. Nossa hipótese é de que a explicação de que o PBF é um exemplo da tendência de recentralização não ilustra sua trajetória, nem a forma como lidou com o dilema de implementação das políticas sociais no federalismo brasileiro. Na análise, dividimos a trajetória federativa do PBF em dois momentos: (1) sua criação e implementação inicial (2003-2004), sob um padrão hierarquizado de relações intergovernamentais; e (2) a construção de uma nova forma de articulação com estados e municípios (2005-2010), primeiro a partir da articulação com o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) para estruturação da dimensão da transferência de renda e, posteriormente, pelo aprofundamento da sua relação com os sistemas de políticas públicas da saúde, educação, de forma a estruturar a dimensão das condicionalidades. Em síntese, identificamos três principais variáveis que favoreceram essa maior coordenação federativa do Programa: (1) o poder de implementação dos governos subnacionais (2) a intersetorialidade presente na natureza do Programa, sobretudo na dimensão das condicionalidades; e (3) a articulação com os sistemas de políticas públicas decorrentes dessa característica intersetorial. As conclusões da tese permitem afinal questionar a hipótese da recentralização sob três perspectivas: (1) da natureza da política pública, de modo que a transferência de renda aumentou a demanda pela oferta descentralizada dos serviços públicos; (2) do processo, de forma a garantir a oferta descentralizada desses serviços e legitimidade junto aos governos subnacionais para manutenção da qualidade do Cadastro Único; e (3) dos resultados, de modo que a articulação da transferência condicionada de renda com o SUAS é algo que depende, para dar certo, de uma nova relação entre centralização e descentralização, a qual vem se aprofundando com o Programa Brasil sem Miséria no sentido da articulação e negociação federativa.