Abstract:
Esta dissertação analisa o processo de formação e operacionalização do Cadastro Único para Programas Sociais do governo federal brasileiro (CadÚnico), buscando responder a três questionamentos básicos: por que o Governo instituiu um cadastro específico para a população pobre? Por que a concessão de benefícios de transferência de renda está vinculada a um Número de Identificação Social? E, qual a importância do CadÚnico para a ação pública no enfrentamento da pobreza no Brasil atual? Como referência teórico-metodológica apoia-se na abordagem de Pierre Bourdieu, acerca da noção de espaço social e das lutas sociais, geradoras de formas de classificação e definidoras dos estatutos sociais, construtoras, portanto, da realidade social experimentada. A partir das abordagens de Engels, Marx e outros autores, o texto discute a relação entre pobreza e trabalho, analisando as contradições inerentes ao mundo do trabalho no capitalismo, associando uma discussão sobre a relação entre cidadania e mercado. A seguir, direciona essa discussão para o Brasil, resgatando especificidades de seu processo histórico, relacionadas ao seu passado escravagista e ao processo de institucionalização dos direitos. A etapa seguinte busca recompor o processo de implantação dos programas sociais focalizados, com ênfase nos mecanismos e critérios utilizados para a identificação e seleção de seus beneficiários. Apresentam-se as dificuldades e contradições presentes no processo de implantação do CadÚnico e na construção de sua base de dados. Debatem-se as ações adotadas pelo Governo para aperfeiçoamento do Cadastro e validação de sua base de dados, contemplando os usos a que se tem direcionado esse Cadastro, notadamente à construção de indicadores sociais, a exemplo do Índice de Desenvolvimento Familiar (IDF). O trabalho conclui considerando que a implantação do CadÚnico deu-se de forma verticalizada e em meio a programas setorizados, transformando-se em um problema para as prefeituras e para a gestão dos programas sociais, além de não atender aos requisitos da focalização. A criação do Bolsa Família (PBF) aumentou a necessidade institucional de dados consistentes sobre a população pobre – foco do programa – e isso levou o Governo a sucessivas medidas corretivas do Cadastro, melhorando a qualidade e a extensão de sua base de dados, transformando-o numa importante ferramenta pública de gestão. Mas ao tempo em que este Cadastro se constitui numa fonte de conhecimento da realidade para os implementadores das políticas sociais, ele retorna à realidade social interferindo sobre a construção dessa realidade. Não obstante as suas potencialidades para a formulação e aprimoramento de políticas públicas, a operacionalização do CadÚnico tem restringindo a visão e a atuação do Estado no enfrentamento à pobreza. E, gradativamente, o Número de Identificação Social (NIS), criado para garantir unicidade ao Cadastro, converte-se numa identidade social efetiva e seletiva do estrato da população mais pobre e numa espécie de credencial para acessar benefícios da assistência pública; um meio de monitoramento do acesso das famílias pobres a serviços sociais básicos. Isso pode incorrer num risco de essas ferramentas adotadas como estratégia de combate à pobreza se converterem em mecanismos de reforço dessa condição.